ღಌ Fairy Tale ღಌ

Toda, ou quase toda, a história. Cheia de todas as maravilhas, todas as aventuras, todos os medos, todas as lágrimas, todos os sorrisos, todas as esperanças, todas as angustias, todas as brigas, toda a cumplicidade, toda a verdade, todas as mentiras, toda a sinceridade e acima de todo o amor que lutou para estar onde chegou.

terça-feira, 22 de março de 2011

'VOLTO LOGO'

Eram 10:30 da manha de um sábado. O dia estava nublado, mas não totalmente frio. Ela gostou disso, pois assim poderia vestir seu casaco preferido, com as botas novas que ganhara de presente de aniversário. O despertador a acordara, mas não a assustou como acontecia tradicionalmente durante a semana. Ela acordou tranquila, e inclusive ansiosa, para sua rotina. É que aos sábados ela fazia exatamente aquilo queria ela queria, sem obrigações ou deveres, eram apenas as coisas que ela havia escolhido. E mesmo sendo as mesmas coisas durante anos ela continuava gostando cada vez mais.
Tomou seu café enquanto assistia qualquer coisa que passava na TV, depois tomou banho e se arrumou com a roupa que tanto queria. Era uma garota bonita, tinha um rosto simples, com traços finos, os olhos que por si só já diziam tudo o que ela imaginava. O sorriso, que ela não gostava muito, dificilmente era visto pelos que não a conheciam bem, mas quando aparecia era mais sincero que qualquer outro. Tinha os cabelos castanhos, pode-se dizer que eram marrons como um tronco novo, e cacheados, por conta disso não suportava penteá-los, mas mesmo desarrumados continuavam lindo. Era comum, porem chamava a atenção mesmo que sutilmente inclusive aos que passavam por ela com pressa de notar qualquer coisa ao redor.
A alguns anos ela se apaixonara, mas não era um amor comum desse entre homem e mulher, e sim por um lugar escolhido pelo coração dela. Era uma lojinha que abrira a mais ou menos cinco anos, cheia de coisas que ela jamais encontrara em qualquer outro lugar. Coisas que a deixava cada vez mais curiosa, coisas que a deixava intrigada, coisas que ela simplesmente gostava e muitas coisas que a fazia feliz. O dono da loja era um senhor já bem velhinho e conhecido nas redondezas por ser muito solitário, contudo o que ninguém notara é que ele não era mais solitário desde o dia em que aquela garota colocou os pés naquela lojinha pela primeira vez. Ela se tornara a única cliente que ele precisava, a única que o fazia ter orgulho de tudo o que ele construíra depois de tantos anos de dor e sofrimento por conta de uma vida que já não o atormentava mais.
Nesse sábado ela resolveu ir um pouco mais tarde, logo após o almoço, pois sua mãe havia feito seu prato preferido. Logo após foi caminhando direto para seu destino, não queria se demorar mais, estava se sentindo diferente aquele dia e queria muito descobrir o porque. A lojinha não ficava muito longe da casa dela, e ela preferia caminhar porque assim pensava melhor e refrescava a mente de todos os problemas acumulados de uma semana tão cheia de estudos.
Chegando notou que o lugar ainda estava fechado. A placa antiga feita em madeira e com letras talhadas a mão dizendo 'VOLTO LOGO' ainda estava pendurada na porta. Isso significava que o senhor havia ido almoçar e logo retornaria. Ele gostava muito de madeira talhada a mão, dizia que era um dos únicos trabalhos feito pelo homem que ele admirava. Ela decidiu então esperar.
Se sentou no banco que havia em frente a loja na calçada, também de madeira que aquele mesmo senhor havia colocado. Alias ele próprio gostava de se sentar lá as vezes e pensar em sua vida e nas coisas que mesmo depois de tanto tempo ainda sentia vontade de fazer. Ela estou e ficou esperando enquanto imaginava que surpresa encontraria ou que livro a fascinaria dessa vez. É que nos fundos da lojinha, havia algumas estantes cheias dos mais diversos livros, e somente para ela, ele colocou uma pequena mesa e um banco também feitos em madeira e com os detalhes talhados a mão, para que ela pudesse passar suas tardes lendo e fazendo-lhe companhia, mesmo que só pela presença, já que eles jamais tiveram uma conversa mais longa que 5 frases muito bem pronunciadas por ambos.
Ela esperou por muito tempo, e enquanto esperava, ficava imaginando todos os tipos de situações possíveis. Ele estava demorando muito e ela estava muito ansiosa para descobrir algo novo, ou se deslumbrar com algo já conhecido. Depois de aproximadamente 1 hora, ela começou a ficar incomodada e preocupada com o que teria conhecido com aquele senhor que sempre foi tão simpático com ela. E enquanto esperava, mesmo preocupada, nervosa e apreensiva, ela notou que uma nova loja havia aberto do outro lado da rua. Uma loja com coisas novas e atuais, sem a aparência confortável e tão acolhedora que sua lojinha de sempre proporcionava. Mas ainda assim uma loja que chamou sua atenção, que parecia convidá-la insistente para entrar, olhar, se interessar e ficar.
Enquanto caminha para o outro lado da rua, ela não parou de olhar para ter certeza que o senhor não estava chegando, mais ainda, para ter certeza que ele não iria vê-la traindo todos esses anos de fidelidade. Ela se sentiu atraída pela nova loja, mas com receio de entrar. Ficou com medo de se arrepender, e de por vergonha não conseguir mais voltar para sua lojinha que em todo se tempo mais se parecia com um lar escolhido a dedo.
Depois de algumas horas dentro da nova loja, ela se despediu do guri que trabalhava no balcão e tinha sido tão gentil, e disse que voltaria na próxima semana. Atravessou a rua e colocou um bilhete por debaixo da porta da lojinha, dizendo o quanto sentia muito ter quebrado aquele elo tão sagrado que havia ali, e disse que se no próximo sábado, caso ela estivesse aberta novamente, certamente seria ali que ela ficaria. Se afastou e com um aceno foi embora, caminhando de cabeça baixa, da mesma forma como saíra de casa pela manhã.
Mais alguns sábados se passaram e a lojinha continuava com suas portas fechadas e sua placa 'VOLTO LOGO' pendurada na porta. Todos os sábados antes de mudar o curso para a loja nova, ela sentava no banco de madeira por algum tempo e continuava imaginando o que teria acontecido. Continuava a se preocupar e continuava a sentir saudade daquele lugar que parecia ficar cada vez mais esquecido pelo demais que freqüentavam as redondezas. Imaginou formas de se comunicar com aquele senhor tão simpático e saber se teria acontecido algo que ela pudesse ajudar. Por mais que gostasse da loja nova, sentia vontade de voltar a freqüentar a antiga e fazer daquilo novamente sua rotina de todos os sábados. As vezes ela se perguntava se talvez, naquele dia, tivesse ido até lá antes de almoçar, se talvez não tivesse pego a lojinha aberta e tudo seria diferente.
Mal sabia ela que o que aconteceu aquele senhor era mais triste do que ela queria imaginar, e realmente talvez tivesse sido evitado com a presença dela. Um acidente que muitos presenciaram, mas tão intimo e despercebido que ninguém parou por mais de um instante para saber o que aconteceu. Tudo muito rápido: o sinal, a batida, a ambulância… Afinal, ele não tinha família. Era solitário e sozinho. Ninguém o conhecia e nem sequer sabia nada a seu respeito. Quem poderia imaginar que ele tinhas as chaves de algo tão importante para uma garotinha, e que mesmo sem a menor idéia do que ocorrera, ela esperaria todo sábado, antes de mudar seu rumo. Mal sabia que a cinco anos, ele já havia dado alquile lugar para ela, e estava apenas esperando que ela perguntasse. Ele deixou as chaves dentro daquela caixinha misteriosa guardada a sete travas que ela adorou mas nunca mexeu, pois foi seu primeiro e mais precioso tesouro.

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